Um fato corriqueiro em minha vida foi o gosto sepulcral, sombrio que manifestei amiúde. Desde verdes anos, apreciei poetas como Álvares de Azevedo, Byron, Junqueira Freire para quem a morte, o mistério, a dor e a agonia interior sempre foram temas atraentes, apesar de ter despertado para a poesia através de Camões, pelo seu lirismo amoroso.
O estranhamento social foi inevitável. Amigos, parentes e aqueles a quem eu conhecia de "vista e de chapéu" reagiam entrando a tachar-me de louco, doente, que não conhecia como viver os contentamentos da vida; para eles, eu era arredio, absenteísta, macabro e tantas outras qualificações com as quais desenvolvi tolerância e, por fim, gosto. Chamem-me de masoquista se quiserem, mas continuamente apreciei essa condição em meus poetas. Para mim, ainda é e sempre será um modelo a seguir a conduta do homem dos séculos passados, misteriosos, sombrios e, por isso, encantadores.
Como é natural, a interioridade do homem deve se projetar na sua exterioridade de modo a assumir a esta, dominá-la. Dessa forma, sempre me fascinaram a palidez "tuberculosa", sobretudo nas mulheres, os cabelo revoltos e longos, o olhar lânguido de melancolia, quebrado, desfalecente de que promana um tedium vitae constante. Não é a imagem de um esquálido alquebrado que aqui exponho, pelo contrário, nesses indivíduos abundam vitalidade, mas esta é visivelmente filtrada pelo spleen da vida, responsável pela sua inquietação interior. Um revoltado, talvez, a quem incomoda horridamente a mesquinhez e a mediocridade do cotidiano de uma sociedade estandardizada, massificada, cativa de valores frívolos criados pelos meios de comunicação. Lamentavelmente, hoje é a mídia banal o coreógrafo da humanidade. São as malditas novelas de televisão, os programas de tele-realidade (reality show), de auditório em que um apresentador balofo convida um auto-intitulado especialista em moda para criticar o modo como se vestem certas pessoas a quem atribui o ridículo título de celebridade. O que é ser uma celebridade hoje? É participar de um patético programa de tele-realidade, cunhando frases vazias de significado, para vê-las repetidas exaustivamente (que desgraça!) em qualquer esquina? É interpretar um pândego idiota numa novela, formar um par romântico com alguma atriz de belas formas? É ser um cantor de ninharias, arrogando-se o dom de versejar, golfando leviandades em forma de música (má música, é claro), divertindo as massas inconsultas de mulheres néscias afogadas no seu orgasmo profano e torpe, ouvindo gritos histéricos? Portar-se-iam assim diante de Aristóteles, de Kant ou de Nietzsche? Não que eles precisassem dessa bambochata risível como forma de lisonja, mas esses entusiastas do nada, esses propagandistas do relaxamento sentiriam, de alguma forma, qualquer comoção interna por estarem diante homens superiores a qualquer cantorzinho apregoador de nulidades ou a qualquer atorzinho cujo valor não vai além da "beleza" que estampa, se é que a beleza é um valor? Temo que não.
Não sou tão radical e furioso quanto um amigo, que me disse, certa feita, que não quer ver a massa acender do lodo nauseabundo em que se encontra, unicamente quer vê-la degradar-se e resfolegar nas próprias baixezas. Todavia, às vezes, sou compungindo por um sentimento de total aversão e chego a concluir que a humanidade é uma grande esperança perdida, com raríssimas exceções!
Lembrei-me de um poema que li no sítio Carcasse, adorei-o, pois reflete a tragédia suprema que é o tédio da vida. O autor se chama Pereira da Silva:
NIHIL
Dia parado entre nevoento e enxuto.
A natureza como semimorta.
Quanto aos vencidos, Musa, desconforta
Esta infinita sugestão de luto!
Quanto a mim, de minuto a minuto,
Ouço alguém...Alguém bate à minha porta...
Quem é? Quem sabe? Uma saudade morta,
Cousas tão d'alma que eu somente escuto.
Nesta indecisa solidão sombria
Sem cor, sem som, meio entre noite e dia,
Como que a morte a tudo, a tudo assiste...
Como que, pela terra desolada,
A consciência univesal do Nada
Deixa um silêncio cada veza mais triste...