28 setembro 2009

Paradisus infernalis


Maceió, teus encantos me inebriam, mas tu podias ser mais fria, cinza e sombria. Tuas folhas podiam farfalhar mais tristemente ao sopro do polar. No entanto, tu és quente, muito quente, maldita bela cidade!

02 setembro 2009

Canção do Exílio de Murilo Mendes - Breve Análise

Inúmeras considerações podem ser feitas a respeito do contexto sócio-político-cultural que marcou a realidade brasileira durante as primeiras décadas do século XX e que se refletiu na mentalidade das classes sociais de então. Antes de 1922, havia o predomínio de estruturas tidas como envelhecidas com as quais os epígonos do modernismo romperiam. Era a I República caracterizada pela dominação dos grandes fazendeiros e fundada sobre bases positivista, agnóstica e liberal. O quadro político brasileiro, desde 1894, com chegada ao poder dos barões do café, era fundamentalmente mantido a favor dos interesses do grupo que os presidentes representavam e que os sustentava no poder. Predominava também, no vintênio anterior à semana de Arte Moderna, o complexo cultural do último quartel do século XIX.
Inúmeros outros sucessos no campo político de alta relevância para a história brasileira se fizeram sentir, mas os omitimos em função de economia e por que a minuciação de sua importância histórica não é necessária à compreensão dos fatos tratados neste artigo. Assim, no campo artístico, paralelamente aos acontecimentos referidos, operava-se uma ruptura que teria seu ápice na semana de Arte Moderna.
Um dado importante, nesse processo, em que houve expansão da economia brasileira, sobretudo a agroexportadora e as conseqüências da primeira guerra mundial, foi a presença de imigrantes no país que veio acentuar a cimentação da população estrangeira iniciada com a colonização em 1530. Esse foi um dos fatores externos que contribuíram para a elevação da economia voltada para a produção extensiva e em larga escala: a substituição da mão-de-obra escrava por uma considerável parcela de estrangeiros, que favoreceu o processo de multiculturalização pelo que passou o país. Os principais grupos de imigrantes no Brasil são portugueses, italianos, espanhóis, alemães e japoneses, que representam mais de oitenta por cento do total.
Os portugueses encabeçam as estatísticas oficiais sobre a presença alienígena no Brasil, vindo, em segundo lugar, os italianos cuja concentração se dá, em sua maior parte, no estado de São Paulo.
Uma das metas do projeto estético modernista era a recuperação da identidade múltipla da cultura brasileira. Mas há outro aspecto dessa multiplicidade cultural que é visto de forma bem humorada através do texto objeto deste trabalho, o poema-paródia de Murilo Mendes confeccionado do poema de Gonçalves Dias, Canção do Exílio: a colonização cultural, as idéias que vêm de fora e que se assentam na consciência brasileira apropriando-se de sua índole nativa e, conseqüentemente, desfigurando-a.
O exílio gonçalvino é físico, geográfico e ufanista em relação à terra brasileira diretamente posta em oposição à lusitana e exalta a autenticidade do ente brasileiro através da sua natureza que tem hegemonia sobre a de Portugal. O exílio de Murilo Mendes, entretanto, se realiza aqui mesmo, no terreno cantado por Gonçalves Dias. O que isola o eu-lírico muriliano da brasilidade não é o oceano físico, mas o cultural formado pelo cabedal de influências estrangeiras. Como se trata de uma paródia, definida, aliás, por Bakthin como o recurso em “o autor emprega a fala de um outro (...) mas se introduz naquela outra fala uma intenção que se opõe diretamente à original”, o poema de Murilo pretende denunciar em vez de exalçar o complexo de elementos estranhos que se infiltram na cultura local. É, por assim dizer, um exílio cultural onde facilmente se percebe o incômodo de se sentir cercado por demasiadas presenças não-vernáculas. Por razões sintéticas, publico aqui somente o poema de Murilo Mendes:




Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a
[Gioconda
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de
verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!





MENDES, Murilo. Poemas. In: Poesias (1925 -
1955) . Rio de Janeiro: J. Olympio. 1959. p.5.



Esse mal-estar se verifica na substituição dos elementos que, no poema de Gonçalves Dias, representam a brasilidade da terra, como as palmeiras que dão lugar às macieiras californianas e o sabiá que sucumbe a gaturamos venezianos. Diferentemente de Gonçalves, que mantêm um tom mais lírico e mais apologista, Murilo Mendes incorpora o cotidiano em seus versos num tom ironizante nos versos 5 a 10. Antes, no verso 4, critica o modo de influência simbolista que coloca o poeta em “torre de ametista”, distanciado-o da realidade brasileira, embora, segundo Alfredo Bosi:


"(...) só por volta de 1922, quando as várias tendências do pensamento e da arte européia afetaram a consciência brasileira, é que será compreendida e assimilada a verdadeira revolução espiritual e estética que trazia em seu bojo o Simbolismo."


(Bosi, Alfredo. A literatura brasileira: o pré-modernismo. Vol. V, 2ª edição, editora Cultrix, São Paulo, p. 12)




A referência aos pernilongos é um meio de reforçar o incômodo que a presença forasteira causa e que ela se manifesta até em situações íntimas, como a Gioconda testemunhando uma birra familiar dependurada na parede.

A visível insatisfação com tanta estrangeirice no país é retomada com ênfase nos versos 11 e 12, em que confessa como se sente diante da patente invasão. O poeta não deixa de elogiar sua pátria, fazendo referência à superioridade de nossas flores e frutos, mas intercala um preço, pois custam cem mil réis a dúzia. Como é típica das intenções modernistas a valoração do que é nosso através de uma atitude combativa, dinâmica e agressiva como demonstrou Carlos Drummond de Andrade no periódico A Revista, de 1925:





"Não somos românticos; somos jovens. Um adjetivo vale por outro, dirão. Talvez. Mas, entre todos os romantismos, preferimos o da mocidade e, com ele, o a da ação. Ação intensiva em todos os campos: na literatura, na arte, na política. Somos pela renovação intelectual do Brasil, renovação que se tornou um imperativo categórico."