09 maio 2005

A PRIMEIRA PAIXÃO

Pela manhã, ao acordar, vieram-me ao pensamento lembranças antigas. Busquei alguma citação melancólica na memória, para avivar-me tais reminiscências e achei Cecília Meireles, a reverenciada, a doce, a bela e suave poetisa brasileira, que tanto cativou outro poeta, Vinícius de Moraes. De encontrão, um belo poema de Cecília passou-me pela alma, deixando-a a recender a flor.
Fez tanto luar que eu pensei nos teus olhos antigos
E nas tuas antigas palavras;
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos
Que tornei a viver contigo enquanto o vento passava.
Dei-me com a recordação de uma moça, que há muito me alumbrou. Encetava eu a carreira do estudo do primeiro grau maior. Era franzino, tão franzino que o virem-me a mim era suficiente motivo de considerarem-me doente. Trespassava-me também uma timidez tonante e furiosa que me fizera, por anos, reter uma paixão à distância. Era um tremendo himeneu com a desventura de ser solitário. Olhos fundos e violáceos e lábios róseos que até hoje conservo. Cabelos negros a cair-me sobre a fronte, mas que hoje cedem lugar, aos poucos, a uma calva impiedosa, que avança sem aviso.
Foi numa noite de não sei quantos de uma época que hoje me é um paraíso perdido. Um céu que se desfez, tornou-se incerto como um sonho. Aquela jovem, ao trilhar a rua ante meus olhos surpresos, deitou-me um olhar tão penetrante que a minha infância-adolescência se mudou perturbadoramente, as auroras e os crepúsculos a partir dali não foram mais o mesmos. Era um amor cortês, uma flor trovadoresca a vicejar no peito, pois eu sabia bem que era como um trovador e que aquela senhora era-me impossível por diversos motivos. Dava-me, porém, gozo indizível o vê-la, mesmo que por uma única vez, entre a multidão, "toda alta, sutil, dor majestosa". Naquele momento, sem o saber, experimentei, pela primeira vez, o que Baudelaire sentiu no século XIX: A Síndrome de Baudelaire.
O correr dos anos veio então, e a tenho esquecida, mas não por completo. Essa crônica é eco daquele sentimento que me convulsionou o espírito por anos. Não me recordo, contudo, daquela jovem com a ternura dos onze anos; impera-me no peito somente a alegria de ter vivido uma primícia amorosa, nada mais.

2 comentários:

mdm disse...

Tão bom Cecília, tão bom Vinícius e tão bom lembranças antigas e amores antigos doces.

Marla Singer disse...

A veces lémbrome de olladas que me marcaron o corazón e coido que xa morreu a miña inocencia...