23 novembro 2011

Olhos de Fome


A Baudelaire



"Nos obscuros desvãos das velhas capitais, 
Em que tudo, até o horror, tem ares encantados,
Eu observo, obediente a meus sestros fatais,
Seres de exceção, decrépitos e amados."

[Quadros Parisienses - Baudelaire]




A loja luzia pela vidraça. Parecia um palácio em festa e todas as sensações despertadas pelas luzes, cores, cheiros e sons criavam nas almas presentes o gozo da estreia. 
Era natal e o bulevar em frente recendia a café e licor de avelã baralhando-se ao odor penetrante das hortelãs metidas em cercas que flanqueiam a rua onde vistosas galhadas de olmos farfalham ao vento. 
Tudo ali mudara. Saíram os cortiços e os barracos de lona para dar lugar ao espetáculo do consumo. Que haja lojas e o capitalismo fez compradores por lei, ofício e doença.
As crianças, lá dentro, corriam pelos corredores com o coração em lavareda. Eram todas braços, pernas e ventres bem fornidos dentro de roupas de cores vivazes mas lúcidas. As mães fuzilavam de alegria ante aquela saúde de potro.
Do lado de fora, três pares de olhos. Apenas olhos afundados na angústia que a fome inclemente injetou. Olhos vestidos de trapos. Olhos que calçavam alparcas rotas de tiras de caixote observando as luzes que, umas, como fogos-fátuos, piscavam de lado a lado e, outras, relampejavam em júbilo. 
Olhos mudos e imotos como cadáveres, que só olhavam tentando comer o que as bocas desdentadas e lassas já não podiam. O cheiro das frutas, a cor dos bombons, o sabor da canela e do mel sobre roliças bananas diziam aos olhos, em formas chamativas e de vulto, o que somente os braços, pernas e ventres cevados de bácoro de feira podiam se senhorear ... enquanto aqueles olhos só olhavam pela vidraça da loja numa tarde de natal.









Tela: Luigi Loir - Uma Praça em Paris

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