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23 novembro 2011
Olhos de Fome
14 julho 2011
20 maio 2011
LINGUÍSTICA X IGNORÂNCIA DA IMPRENSA
Texto da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) que constitui sua posição frente à polêmica que marca a publicação do livro didático "Por uma vida melhor", da coleção "Viver, aprender", distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático do MEC. Lamentavelmente, a imprensa banal deste país, em prova de ignorância crassa, não se comediu em condenar o livro sob alegações das mais estapafúrdias que só evideciam extremo desconhecimento sobre uma ciência séria e necessária chamada Linguística.
É igualmente lamentável que a grita ridícula da imprensa repercuta nas vozes de leigos, pseudointelectuais e em toda a choldra ignóbil e irrefletida com o mesmo arrogante tom incriminador, mas que só revela falta de visão científica!
Além do texto da ABRALIN, forneço o enlace para as considerações do sociolinguista Marcos Bagno a respeito do tema em seu sítio.
Língua e Ignorância
Nas duas últimas semanas, o Brasil acompanhou uma discussão a respeito do livro didático Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático do MEC. Diante de posicionamentos virulentos externados na mídia, alguns até histéricos, a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LINGUÍSTICA - ABRALIN - vê a necessidade de vir a público manifestar-se a respeito, no sentido de endossar o posicionamento dos linguistas, pouco ouvidos até o momento.
Curiosamente é de se estranhar esse procedimento, uma vez que seria de se esperar que estes fossem os primeiros a serem consultados em virtude da sua expertise. Para além disso, ainda, foram muito mal interpretados e mal lidos.
O fato que, inicialmente, chama a atenção foi que os críticos não tiveram sequer o cuidado de analisar o livro em questão mais atentamente. As críticas se pautaram sempre nas cinco ou seis linhas largamente citadas. Vale notar que o livro acata orientações dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) em relação à concepção de língua/linguagem, orientações que já estão em andamento há mais de uma década. Além disso, não somente este, mas outros livros didáticos englobam a discussão da variação linguística com o intuito de ressaltar o papel e a importância da norma culta no mundo letrado. Portanto, em nenhum momento houve ou há a defesa de que a norma culta não deva ser ensinada. Ao contrário, entende-se que esse é o papel da escola, garantir o domínio da norma culta para o acesso efetivo aos bens culturais, ou seja, garantir o pleno exercício da cidadania. Esta é a única razão que justifica a existência de uma disciplina que ensine língua portuguesa a falantes nativos de português.
A linguística se constituiu como ciência há mais de um século. Como qualquer outra ciência, não trabalha com a dicotomia certo/errado. Independentemente da inegável repercussão política que isso possa ter, esse é o posicionamento científico. Esse trabalho investigativo permitiu aos linguistas elaborar outras constatações que constituem hoje material essencial para a descrição e explicação de qualquer língua humana.
Uma dessas constatações é o fato de que as línguas mudam no tempo, independentemente do nível de letramento de seus falantes, do avanço econômico e tecnológico de seu povo, do poder mais ou menos repressivo das Instituições. As línguas mudam. Isso não significa que ficam melhores ou piores. Elas simplesmente mudam. Formas linguísticas podem perder ou ganhar prestígio, podem desaparecer, novas formas podem ser criadas. Isso sempre foi assim. Podemos ressaltar que muitos dos usos hoje tão cultuados pelos puristas originaram-se do modo de falar de uma forma alegadamente inferior do Latim: exemplificando, as formas "noscum" e "voscum", estigmatizadas por volta do século III, por fazerem parte do chamado "latim vulgar", originaram respectivamente as formas "conosco" e "convosco".
Outra constatação que merece destaque é o fato de que as línguas variam num mesmo tempo, ou seja, qualquer língua (qualquer uma!) apresenta variedades que são deflagradas por fatores já bastante estudados, como as diferenças geográficas, sociais, etárias, dentre muitas outras. Por manter um posicionamento científico, a linguística não faz juízos de valor acerca dessas variedades, simplesmente as descreve. No entanto, os linguistas, pela sua experiência como cidadãos, sabem e divulgam isso amplamente, já desde o final da década de sessenta do século passado, que essas variedades podem ter maior ou menor prestígio. O prestígio das formas linguísticas está sempre relacionado ao prestígio que têm seus falantes nos diferentes estratos sociais. Por esse motivo, sabe-se que o descon hecimento da norma de prestígio, ou norma culta, pode limitar a ascensão social. Essa constatação fundamenta o posicionamento da linguística sobre o ensino da língua materna.
Independentemente da questão didático-pedagógica, a linguística demonstra que não há nenhum caos linguístico (há sempre regras reguladoras desses usos), que nenhuma língua já foi ou pode ser "corrompida" ou "assassinada", que nenhuma língua fica ameaçada quando faz empréstimos, etc. Independentemente da variedade que usa, qualquer falante fala segundo regras gramaticais estritas (a ampliação da noção de gramática também foi uma conquista científica). Os falantes do português brasileiro podem fazer o plural de "o livro" de duas maneiras: uma formal: os livros; outra informal: os livro. Mas certamente nunca se ouviu ninguém dizer "o livros". Assim também, de modo bastante generali zado, não se pronuncia mais o "r" final de verbos no infinitivo, mas não se deixa de pronunciar (não de forma generalizada, pelo menos) o "r" final de substantivos. Qualquer falante, culto ou não, pode dizer (e diz) "vou comprá" para "comprar", mas apenas algumas variedades diriam 'dô' para 'dor'. Estas últimas são estigmatizadas socialmente, porque remetem a falantes de baixa extração social ou de pouca escolaridade. No entanto, a variação da supressão do final do infinitivo é bastante corriqueira e não marcada socialmente. Demonstra-se, assim, que falamos obedecendo a regras. A escola precisa estar atenta a esse fato, porque precisa ensinar que, apesar de falarmos "vou comprá" precisamos escrever "vou comprar". E a linguística ao descrever esses fenômenos ajuda a entender melhor o funcionamento das línguas o que deve repercutir no processo de ensino.
Por outro lado, entendemos que o ensino de língua materna não tem sido bem sucedido, mas isso não se deve às questões apontadas. Esse é um tópico que demandaria uma outra discussão muito mais profunda, que não cabe aqui.
Por fim, é importante esclarecer que o uso de formas linguísticas de menor prestígio não é indício de ignorância ou de qualquer outro atributo que queiramos impingir aos que falam desse ou daquele modo. A ignorância não está ligada às formas de falar ou ao nível de letramento. Aliás, pudemos comprovar isso por meio desse debate que se instaurou em relação ao ensino de língua e à variedade linguística.
Maria José Foltran
Presidente da Abralin
Secretaria Abralin/Gestão UFPR 2009-2011
05 fevereiro 2011
Advogado do Diabo
O presidente do STJ, Ari Pargendler, desacata um estagiário e o demite unicamente por irritar-se com sua presença no momento de uma transação financeira em um caixa eletrônico! Não bastassem a arrogância e a consciência de impunidade que marca o ser de muitos magistrados desse país, há quem tome sua defesa com alegações revoltantes que só revelam interesse elitista!
Um exemplo que dimensiona a estapafurdez das tentativas de argumentos que, aliás, sequer se baseiam nos autos:
O autor do artigo "Armadilha para a Justiça: há um caso Ari Pargendler?" ao condenar o modo de enunciação da denúncia pelo "Blog do Noblat" alega que, por ser gaúcho o presidente do STJ, a frase dita por ele e reproduzida pelo retrocitado blogue deveria ser "tu estás demitido" e não a forma veiculada "você está demitido". É de provocar riso ou a ignorância abjeta do articulista a respeito de um fato típico da linguística, que é ‘o uso de mais de uma variante por um mesmo falante’ ou, propriamente, a simples defesa interesseira de um magistrado que, como muitos, se julga intocável e onipotente!
01 janeiro 2011
FASES DA ESCRITA PORTUGUESA
Na formação da língua portuguesa, a representação de sons inexistentes em latim, tais como [v, z, ƒ, λ], entre outros, deu-se através da criação, ao longo de uma série de tentativas, de alguns diacríticos gráficos ou dígrafos (NH, NN, Ñ, LH, LL,CH), que, com a transformação das letras latinas ou simplesmente a desconsideração das letras (C=s, C=k; G=g, G=z), causou uma série de mudanças que podem ser divididas em três grandes momentos. São eles: o período arcaico ou fonético, a partir de 1214; o período moderno, etimológico ou pseudo-etimológico, a partir de 1489 e o período atual, a partir de 1904, caracterizado por reformas ortográficas.
O período arcaico da língua portuguesa é o momento em que a escrita começa a se configurar com suas características particulares através de experiências para a construção da escrita e é marcado pela produção do Testamento de Afonso II (primeiro documento datado e escrito em língua portuguesa). É também conhecido como fase fonética, não apenas pela transposição da fala, mas principalmente por encontrar soluções que se estabeleceriam no período moderno. Esse caráter experimental justifica as constantes flutuações na escrita e o uso de dispositivos para representar certos sistemas sonoros. Disso resulta que, por exemplo, um mesmo autor empregue diferentemente o sistema ortográfico medieval.
Mesmo com as adaptações e incorporações de várias letras, havia uma regularidade. Sobre essa uniformidade Netto cita:
"Se não houvesse de pronto uma letra disponível, ora lançava-se mão da origem própria da palavra que se queria escrever, com G, às vezes incorporando o som modificado da pré-palatal, ora de qualquer outro sinal especialmente inventado para esse fim, como o J. (p. 20)."
Com as contribuições do período anterior, a escrita do período moderno tomava as feições próprias da língua portuguesa. OTratado de Confissom (primeiro livro impresso em língua portuguesa) mostrava que a ortografia se assemelhava à fisionomia presente nos livros do século XVI, inclusive no que diz respeito aos problemas gramaticais, como (nh, lh, ch, ss e ç).
O Renascimento e sua retomada dos valores greco-romanos proporcionam uma latinização do português mediante empréstimos lingüísticos desordenados, tal como ocorre com o inglês hoje. Vasconcelos entende que “a introdução de vocábulos romanos eruditos e, sobretudo, helênicos, foi uma das causadoras das anomalias que deturparam a escrita portuguesa”. O resultado é a escrita etimológica ou pseudo-etimológica, uma vez que a inserção de fonemas e morfemas não seguia nenhum critério filológico na reconstituição das palavras, ao contrário, as adaptações ou reconstituições eram feitas por qualquer pessoa que detivesse o domínio da escrita e pudesse estabelecer alguma relação etimológica, mesmo que equivocadamente.
Se no período fonológico caminhávamos para “coerência da escrita”, no período pseudo-etimológico tivemos um retrocesso. Palatalizações, inserção de letras que não expressavam sons, apenas marcavam sua origem, e outros processos mais, são exemplos dessa passagem. Nesse momento, abundaram grupos consonantais como ct, ph, mn, ll, mm, além do uso desenfreado do h mesmo em palavras cuja etimologia não o justificava. Eis alguns casos:
ESCRITA FONOLÓGICA | ESCRITA ETIMOLÓGICA |
oje | hoje |
ome | homem |
aver | haver |
sono | Somno |
santo | Sancto |
farmacia | Pharmacia |
avogado | Advogado |
Coser /z/ | Cozer /dz/ |
Passo /s/ | Paço /ts/ |
Vale ressaltar que datam desse período as primeiras sistematizações ou normalizações da escrita. A Grammatica da lingoagem portuguesa, escrita em 1536 por Fernão de Oliveira;Grammatica da língua portuguesa, em 1540, por João de Barros;Orthographia da lingoa portuguesa, em 1974, por Pedro de Magalhães são exemplos de esforços para imprimir limites a escrita caótica desse período. Não se deve esquecer, todavia, de mencionar nomes como Fernão Lopes, considerado o pai da prosa portuguesa; Garcia Resende; Zurara, tido como o primeiro representante da literatura apologética e imperial; e tantos outros escritores que certamente serviram de modelo para as tentativas de normalização da escrita.
É com a proposta de uniformização da ortografia portuguesa que, em 1904, Gonçalves Viana escreve o livro Ortografia Nacional, lançando as bases da ortografia ou período atual. Em seguida, temos a publicação de Vocabulário Ortográfico em 1940, organizado por Rabelo Gonçalves. Por fim, a Academia Brasileira de Letras estabelece em 1943 as Instruções para a organização ortográfica da língua portuguesa, baseada no livro de Viana, com ligeiras modificações. Após essas mudanças algumas reformas ocorreram sem provocar grandes modificações na língua.
Como foi visto, a primitiva simplicidade do português, vista numa indumentária meramente fonética que refletia a índole própria da língua, foi substituída pela moda, em vigor no Renascimento que exigia o conhecimento dos clássicos, de recorrer à origem da palavra para grafá-la em conformidade com ela, isso feito, em muitos casos, inteiramente à inspiração apressada e fantasiosa do escritor, conduta que gerava não uma, mas várias ortografias.
Desse estado de confusão em que se achava a língua de Camões, veio tirá-la Gonçalves Viana, com seu louvável, mas infelizmente não tão reconhecido trabalho Ortografia Nacional, que tem servido de base para reformas simplificadoras.
O objetivo da escrita do período fonético era facilitar a leitura, permitindo ao leitor a impressão, tanto quanto possível exata, da língua falada que seguia, nesse momento, seu fonetismo telúrico. Não havia um padrão uniforme na transcrição das palavras, isso provocava grafarem-se os vocábulos em conformidade com as diferenças regionais de pronúncia, a influência, embora um tanto escassa, do latim, a negligência dos copistas, etc. Escrevia-se visando não à apreensão exatamente do texto pela vista, mas pelos ouvidos. Alguns exemplos, dentre tantos outros, da escrita fonética:
- O i era representado também por y e j: y = hi, mjnas = minhas;
- Quando semivogal, substituía-o freqüentemente o h: cabha = cabia, dormho = dormio;
- Ocorrência de vogais dobradas resultantes da queda da consoante medial: seer = sedere, coor = color, maa = mala. Mais tarde, esse recurso é utilizado para indicação da tônica: ataa = ata, taaes = tais, ceeo = céu;
- O b às vezes alternava com v: aber = haver. Isso se dava, possivelmente, ou por influência latina ou espanhola;
- Para preservar o som de duas nasais em contato m e n, intercalava-se um p – dampno (dano), solempnemente (solenemente);
- Uso de letras geminadas por razões etimológicas, arbitrárias ou por uma realidade de pronúncia:
1. Cree – do latim credet por queda de consoante.
2. Lioões – p/ marcar a tonicidade
3. Pallavra – arbitrária
- Confusão entre qu e c e gu e g: cinquo e cinco; amigua e amiga;
- Confusão entre i, y e j e entre u e v: muyto/mujto/muito, lyuro/livro;
- Confusão entre m, n e ~: cimco/cinco/cĩco;
- Os sons palatais /ļ/ e /ŋ/ representavam-se por li, l, ll e ni, n, nn respectivamente – falia/fala/falla (falha), vinio/vino/vinno (vinho);
A partir do século XVI, como já dito, a influência do latim, tênue e escassa no período fonético, recrudesce, resultando numa infinidade de restaurações e incorporações vocabulares que visavam a estilizar a língua e aproximá-la, tanto quanto possível, da matriz do Lácio. Surgem, nessa época, os primeiros tratados de ortografia, como os de Pero Magalhães Gândavo e Duarte Nunes. Alguns autores, movidos pelo bom siso, se lançaram contra a debandada etimológica, mas tão frenética era a moda latinizante que não apenas vocábulos novos entraram no idioma, mas também formas antigas de lídimo caráter português sofreram o travestimento etimológico. Formas como dino, benino e malino foram metamorfoseadas em digno, benigno e maligno porque assim eram grafadas no latim. Observáveis também, numerosos ch, ph, rh, th e y começam a aparecer intercalados em palavras portuguesas de origem ou de suposta origem grega. E abundaram os grupos ct, gm, gn, mn, mpt em vocábulos de origem latina.
Querendo por fim às complicações da escrita que redundaram durante séculos e para apaziguar o caos que se instalou devido ao desenfreado arbítrio e fantasia dos escritores e ortógrafos, o governo português nomeou, em 1911, uma comissão de filólogos, dentre os quais o ilustre Gonçalves Viana, dando início ao período das reformas ortográficas. A primeira das quais foi implantada oficialmente cinco anos depois, em 1916, sofrendo uma ligeira modificação em 1927. Acabava, assim, a tirania feroz exercida pelo pseudo-ortografismo greco-latinizante sobre o português que recuperava suas formas medievais em alguns casos.