20 agosto 2014

Bebamos!



As vozes da cidade se enrodilham como num turbilhão. A cabeça me escalda de apsinthion. Não foram goles para esquecer. Ao contrário! Quis lembrar-me em punhaladas. A punição suprema. Lembrar a dor que mais te dói. Câncer na carne. Escarificações no coração. Sofre na tua embriaguez pungente, alastra a gangrena pela alma. Stigmata vitae. O bar em frente. O bulevar cruzado. Achei havia açucenas que trescalavam. Sândalos metidos em cercas. Mas eram urzes grises de cemitério. A voz do rouxinol evolava. No interior do bar, faces pálidas que revelam lábios rosados. Sybil Vane entoante. Eu me esfaço em ouvi-la:



Good-bye, little yellow bird. 
I'd rather brave the cold 

On a leafless tree 

Than a prisoner be 

In a cage of gold.. 





Tão celeste! Ali mesmo o morrer seria doce, mas as lembranças pungem porque a embriaguez as desperta!
Outros lábios. Outra voz. Outra canção. Agônica melodia de funérea cerimônia anunciou-me o destino. Louco! O que terás é a campa fria, teu manto de pedra a esconder-te do mundo! Morrer! Quis começar a viver. Despertar do engano de crenças fantasiosas. Tragar o hálito da aurora nos campos amenos e verdejantes. Olhar as montanhas que tudo dominam. Morrer! A embriaguez passa. O autoflagelo se abranda! Abranda-se? A outra voz atroa: Bebamos! Morrem na embriaguez da vida as dores! Bebamos!