20 dezembro 2007

Os Pombos - Coelho Neto

Em prosseguimento às análises dos contos que nos tem sugerido nossa cara professora Gilda, decidi postar alguns comentários que fiz à pressa do conto de Coelho Neto, Os Pombos. Texto bastante envolvente que contém a marca característica do autor e que o fez indigesto para muitos modernistas.
"Os Pombos" trata do drama de um casal de lavradores Tibúrcio e Joana e de seu filho Luís que contrai grave enfermidade, ficando à morte. O pai do garoto é um diligente agricultor que cuida diletamente de um pombal, pois crê, segundo crença de regiões interioranas, que o movimento agitado dos pombos traz desgraça. O estado definhante da saúde do filho está intimamente ligado, segundo suas crendices, à condição dos pombos. Cada movimento das aves em debandada conduz o pensamento e as emoções de Tibúrcio.
Assim, à medida que as aves se vão embora, pressentindo a morte que deve vir perto, o lavrador vai ficando mais apreensivo e psicologicamente agitado. Após uma tentativa de ocupar-se na roça, enxada ao ombro e caminhada por uma longa verdura calma, movimentada pelo vento da tarde, Tibúrcio não consegue ater-se ao trabalho, o pensamento constante no filho e na esposa o acossa e acaba por levá-lo de volta a casa, já antevendo o pior:

De repente um pombo atravessou os ares, outro, outro, outro logo depois. Tibúrcio pôs-se de pé olhando - lá iam eles, lá iam! Asas estalaram - eram outros. Aqueles não tornariam mais! Fugiam espavoridos, sentindo a morte que devia vir perto.

No terreiro de sua cabana, fita o pombal deserto, alargando a vista em busca de algum sinal de retorno das aves. Ao lado da mulher, que o descobre lá contemplativo, ainda tenciona chamar uma rezadeira após notificação de Joana em reposta à sua curiosidade de que se haveria cura para isso, a fuga dos pombos. Alguns momentos e Joana torna a casa e de lá rompe um grito de desespero, era a tragédia anunciada. Tibúrcio entra no quarto de onde parte o estridor e vê o filho morto e mãe ao lado desfeita em pranto.
Fora, quando percebe o retorno dos pombos, desespera-se na sua revolta e derriba a machadadas o pombal, matando em seguida, entre as mãos convulsas, dois borrachos que recolhe do chão, indefesos e desfigurados.
O conto é perpassado pela agonia e apreensão do casal e centra-se no tema da superstição segundo a qual a migração dos pombos é prenúncio de morte. A espera dorida pelo retorno das aves é interrompida pela falecimento de Luís, em razão do qual Tibúrcio extravasa sua dor, quando destrói o pombal. Assim, a esperança de o filho curar-se fica-lhe condicionada à permanência dos pombos.

06 dezembro 2007

Um Poeta Lírico - do volume Prosas Bárbaras



Mais conhecido por seus romances, Eça de Queirós revela outros aspectos de sua prosa em duas outras modalidades literárias: a prosa jornalística e o conto. Neste último, ele permite-se emancipar-se dos rigores do romance realista, como no conto Um Poeta Lírico pertencente ao volume Prosas Bárbaras e que narra história de Korriscosso, um poeta grego entristecido devido à condição em que vive na Inglaterra.

O encontro entre ele e o narrador dá-se num hotel londrino, após uma viagem exaustiva pelo canal da Mancha, vindo do continente, feita por aquele. Costumava ser visto em pé junto a uma janela, solitário, com ar melancólico, olhar parado, embraçando um guardanapo no restaurante do hotel. As descrições longas do narrador sobre o moço são, por vezes, carregadas de metáforas originais que dão grande ênfase à apresentação ao leitor, sobretudo na caracterização da magreza, da aparência esguia e apática de Korriscosso.

Apesar do interesse inicial que o jovem lhe desperta, os cuidados da estadia e as necessidades de viagem tratam de fazer esmaecer a lembrança havida pelo poeta. Tal interesse renasce, entretanto, quando da volta do narrador a Londres e este depara um amigo de anos, Brancolletti, um gordo bonacheirão e de sorriso cativante, porém com vezos de pedófilo, pois é singularmente guloso de rapariguinhas de doze a catorze anos, de preferência louras e impudicas com a palavras.

Este amigo foi quem lhe contou sobre o poeta, pois, como veio a saber posteriormente, exigindo-lhe confidências que satisfizessem sua curiosidade, Brancolletti e o gajo eram amigos e tinham ambos viajado a Europa a trabalho. A revelação de que era grego, entretanto, a princípio o desanima, haja vista uma voga preconceituosa abonar o juízo generalizante de ser o grego um gatuno. Assim, por causa dessa malhada reputação de malandro e verificado o fato de que um livro do autor havia desaparecido do quarto, aquiesceu rapidamente este com a moda difamatória e o considerando-o um bandido.

Nessa noite, por causa do grande movimento no hotel e também devido ao feitio complexo de sua instalação, o narrador perde-se e erra pelos caminhos feitos de corredores, escadas e salas os mais variados. Finalmente, depara um quarto onde acha o poeta debruçado sobre um mesa coberta de papéis, um colarinho e rosário e, entre eles, seu livro que fora espoliado do quarto.

Procedendo com esmerada misericórdia, o autor observa marcas que denunciam o gosto poético do jovem e, da conversa entretida, surge uma simpática atmosfera de confraternização entre eles, ambos poetas e, portanto, irmanados. Daí em diante, Korriscosso conta-lhe sua história entremeada de lacunas: formado em leis e compondo suas primeiras elegias num semanário lírico, aparecem-lhe ocasiões para realizar-se na vida política. Viajou muito, enamorou-se e, num momento em que fora indicado para trabalhar numa alta administração, é rejeitado e refugia-se na Inglaterra.

Nesse país, padece a solidão e o prosaísmo vilão do capitalismo que lhe tira tempo para o trabalho com o espírito. Vive, assim, dias atribulados, quando tem que conviver com a glutonaria e a folgança burguesa no restaurante. Trabalhar derrogatoriamente para atender à baixa necessidade material das elites, enquanto essas se refestelam no seu leito de ninharias, é uma indignidade que sua alma tocada pela sutileza artística, pelo instinto do som, da rima, pelo efeito do drama, não pode suportar.

Em contos como esse, Eça, em vez de caracterizar sociologicamente suas personagens, o faz apenas psicologicamente, ensejando a discussão sobre a problemática das vicissitudes humanas. No caso de Korriscosso, sobre a oposição demérita entre arte e materialismo capitalista, quando este, na sua tendência voraz ao amealhamento, ignora e dessacraliza a arte.

05 dezembro 2007

RENOUATIO

Este blogue foi, desde sua gênese, repositório de toda sorte de impressão que me vinha vindo: às vezes, agia como um típico romântico e meu humor oscilava à sucessão dos fatos. Aqui e ali deixava uma nota de melancolia ou de contentamento à medida que meu espírito sentia os movimentos da vida. Refletia sobre todas as impressões, todas as nuanças e significados que tinham os fatos e as coisas.

Agora, implemento renovação. Dedico-o ao que me tem feito ver sentido na vida: arte e a literatura, as divagações e investigações filosóficas sobre o homem e a existência, porque estamos cá na terra e é nela que sonhamos, sofremos, esperamos, amamos. Mas e o transcendente? Sim, está lá naquela dimensão etérea. Não é alheio a nós, mas nós também não devemos ser alheios à terra.

Muito embora esbarremos na angústia heideggereana e na náusea de Sartre pela impossibilidade de infinito, vivemos aqui o que nos define, o que bem significa o ser no mundo. Nada de fatalismo, apenas existencialismo crítico.